Temporal

Exposição individual

- Galeria Ocupa, Porto

TEMPORAL
Solo Show
2025 - Ocupa Gallery, Porto

A orla é uma linha que serpenteia à beira da praia. Ela separa e une, simultaneamente, o espaço líquido e o espaço sólido. Exposta ao sol e ao vento, a sua humidade expande-se, incansavelmente, pelo terreno arenoso. Por sua natureza orgânica, ela evidencia a efemeridade da vida planetária. Diante da perenidade da existência, constitui um refúgio metafísico, um lugar simbólico, a inscrição poética e a devoção religiosa, tal como o céu, esculpido pela reflexão da luz e da cor, projetando sobre a terra as sombras das nuvens.

A orla da praia pode ser vista como um campo aberto ou um cenário, onde se expõem e materializam conflitos geográficos, atmosféricos, políticos, sociais e existenciais. Em terra, ela é palco da representação de proximidade e lonjura dos corpos e das ações que decorrem no mar. Na água navegam e naufragam pessoas como nós.

Recorre-se muitas vezes ao mar para meditar, banhar o corpo, expurgar os males, refrescar o espírito, homenagear antepassados e resolver dilemas filosóficos. A orla vive de uma atmosfera que possui propriedades terapêuticas e as suas águas convidam-nos a mergulhos revigorantes.

Caberia então refletir em que medida a prática artística se revela uma extensão da orla uma vez que, também ela, no seu labor diário, lança, puxa e entrelaça planos de sensações, diria Deleuze. Estes planos operam temporalmente no espaço, sustentando linhas fisicamente sensíveis, pensáveis e experienciáveis, que serpenteiam como as ondas. Todos os dias encontramos resquícios da atividade humana na orla do mar, vestígios da experiência que andam à deriva, até que a água os expila, trazendo-os de novo à visão humana. Estes objetos ficarão perdidos como resíduos até que alguém como a Carla Cruz os encontre, recolha e conserve, como o fez com sobras de redes de pesca e cordoaria que foi encontrando ao longo das suas jornadas pela praia.

Nos últimos anos, a artista teceu com estes fios da experiência outra que uniu à sua. E, como Penélope, desfiou e voltou a fiar o tempo, um novo sentido para o nosso tempo. Esta trama, com 47 metros de comprimento, possui uma métrica ritmada como os ciclos de vida. Uma espécie de artéria com o diâmetro de um punho, esta peça reticular pode enrolar-se e desenrolar-se como a orla serpenteante. Tricotada com 4 agulhas, na sua aparência frágil e delicadeza áspera, foi feita para durar. E tais qualidades invocam ao toque que nos captura neste enredo. Já não sabemos como começou, nem onde terminará, mas participamos da sua ação agregadora, de uma comunidade temporal da orla.”

Excerto do texto “O tempo entrelaçado: Notas sobre Temporal de Carla Cruz” de Virgínia Mota, 2025

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